Depois de 5 anos sem resenha, vim tirar a poeira desse blog, pois um livro me obrigou a isso. Não tive como não falar sobre, preciso colocar para fora todas as impressões.
"Ele é um homem inteligente, mas para agir de modo inteligente a inteligência sozinha não basta".
Crime e castigo, de Fiódor Dotoiévski, é um clássico mundialmente conhecido. Narra a história de Raskólnikov, um estudante de direito, porém com problemas financeiros, de saúde e muitas ideias de grandeza relacionadas a grandes líderes, como Napoleão.
No alto de seu desespero ante sua situação financeira, que o levava a ter de receber ajuda da mãe para sobreviver na cidade e pagar seus estudos, Raskólnikov decide assassinar uma senhora (agiota) com a qual havia penhorado alguns de seus objetos e, assim, tomar posse do seu dinheiro e buscar estabilidade e futuro na sua carreira. Essa é uma das suas justificativas para o crime: seu desespero.
Dotoiévski expõe de forma maestral o processo psicológico do crime principal do livro; traz em minúcias toda a angústia desde o começo - O que ele vai fazer agora que cometeu o crime? Onde vai esconder as provas? Há alguém que possa persegui-lo? Como justificar seus movimentos?
Mas, acima de tudo, Dotoievski entra a fundo na psique de um homem perturbado em sua mente e que decide cometer um crime motivado pelo desespero, mas principalmente pelas ideias que regem seu orgulho. Para Raskólnikov, há indivíduos que são extraordinários e que, por sua extraordinariedade, possuem permissão inata para transgredir as regras. Em um de seus devaneios, devido a sua paranoia entre estar ou não estar a ponto de ser descoberto pelo seu delito, o rapaz reflete que a maioria das pessoas não passam de piolhos e que indivíduos extraordinários têm o direito de dar passos que transgridem as regras da sociedade habitual, não podendo ser culpados por isso, pois suas ações, em sua essência, são racionais e fazem sentido geral, até beneficiando a sociedade apesar de serem imorais e criminosas.
Há um ponto do livro em que um personagem fala que, em uma sociedade bem construída, todos os crimes desaparecerão de um só golpe, uma vez que não haverá contra o que protestar e em um instante todos os homens se tornarão justos. Mas Raskólnikov não se movia por um protesto e sim por um direito, ele mesmo se equiparava a Napoleão e nele justificava a maioria de suas ações como um ser extraordinário.
No entanto, apesar de se considerar uma das pessoas que podem quebrar as regras devido a suas qualidades, o estudante sofria psicológica e moralmente com o que havia realizado, com seu crime. Sofria de forma paranoica, a todo momento buscando formas de esconder seu crime, chegava a delirar de febre e, em seus delírios, soltava informações perigosas quanto ao que aconteceu.
Em seu sofrimento, Raskólnikov, completamente incapaz de lidar sozinho com o que havia feito, levava sua carga de angústia para outras pessoas de forma velada, sem nunca dizer de fato o que o angustiava. Fazia isso ao ser grosseiro com as pessoas que tentavam ajudá-lo, ao gastar seu dinheiro (não o do crime, ele não chegou a gastá-lo) de forma impensada e tentar ajudar outras pessoas como uma forma implícita de remediar o mal já realizado, ao rejeitar a afeição dos seus próximos por se encontrar indigno de merecimento, dentre muitas outras ações. Seu comportamento era totalmente afetado a partir do momento em que assassinou a agiota, suas ideias de grandeza iam e vinham num misto de culpa e medo do que estava por vir caso fosse descoberto.
Ele buscou, inclusive, alguém em situação miserável (parecida com a dele) com quem pudesse dividir seu fardo, a quem pudesse contar o que havia feito e lhe servisse de apoio. Sua culpa o carregava de forma tão pesada que ele não mais conseguia carregar sozinho e era impelido por sua própria mente a se entregar, a falar o que aconteceu, a se explicar.
A análise de Dotoiévski sobre as motivações de Raskólnikov, suas bases, seus processos distorcidos, tudo isso é excepcional. De prender o fôlego.
Apesar dos spoilers nítidos, acreditem, não consegui exprimir nem um quinto do que esta obra tem a oferecer. Os personagem secundários e seus enredos paralelos também são riquíssimos com uma análise psicológica profunda de sofrimento, desejos, fixações, preconceitos. Queria, sinceramente, ter lido esse livro muitos anos antes.
"Derrama-se sangue, e ainda vamos nos alegrar com isso como se fosse champanhe [...] Eis aí Napoleão, tanto o grande como o atual". (Nota do tradutor)
Nathaly M.
11/04/2021
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