Texto da psicótica Natália Klein
Mas, ao contrário do que você possa estar
pensando, o problema dos relacionamentos contemporâneos não reside no
fato de que somos tortas gigantes. Tortas são bonitas e gostosas, na
grande maioria das vezes - exceto nas festas de aniversário em
escritórios no centro da cidade. A tristeza da coisa está na constatação
de que estamos vivendo uma espécie de comidaaquilorização da afetividade. Isso significa que, devido a alta oferta de tortas no mercado, ninguém consegue se focar em apenas um sabor.
O
que temos hoje é uma porção de tortas sendo vorazmente garfadas e
deixadas de lado, aos pedaços, disformes, tristes. Todo mundo quer um
pedacinho de torta, uma fatiazinha fina do tipo
"estou-de-dieta-não-quero-muito". Tem sempre alguém querendo dar uma
mordiscada, uma lambidinha, uma passadinha de dedo marota. O que ninguém
quer - ou tem coragem de fazer - é arriscar e levar a torta inteira para casa.
E
essa é a grande lástima da nossa geração. Estamos acostumados a tirar
lasquinhas de várias sobremesas e levar à balança do restaurante para
pesar. É a insustentável leveza da torta mousse de chocolate e do
cheesecake de framboesa. Estamos acostumados a ter muitas, muitas opções
de comida. E de pessoas. Conheço gente que tem mais de 1.000 amigos no
Facebook. Como se alguém fosse fisicamente capaz de ter mil amigos.
E
qual é o resultado disso? Tortas garfadas e destroçadas, sem lugar
cativo na geladeira de ninguém, vagando por aí, pelas noitadas, pelas
festas, tristes, tortas. E, pouco a pouco, elas vão perdendo a doçura.
Vão se tornando descrentes, azedas, estragadas pelo ataque dos garfos
despretensiosos.
Somos tortas. Claro que somos comidas. Mas o
que eu queria mesmo era experimentar a sensação de ser a preferida de
alguém. Aquela que é levada dentro do pacote - o pacote completo, com
todos os defeitos e qualidades, com todas as garfadas sofridas, com tudo
aquilo que faz de mim a torta gigante que eu sou. Estou farta de me
pedirem pedacinhos. Quero ser levada por inteiro.
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