Eu sei que deveria ser mais grata por tudo que a vida tem me dado, mas
quer saber? A vida é uma cadela manca e raivosa. E se eu consegui alguma
coisa até hoje foi porque tive que brigar muito pra tirar o naco de
carne dos dentes dela.
Eu não estou feliz. Mentira. Estar parte do
pressuposto de que algum dia eu já estive. E nunca houve esse dia. Pelo
menos não um dia inteiro. Talvez algumas poucas horas. Mas como vocês já
sabem, a vida é uma cadela.
Amanhã eu faço vinte e sete anos, estou
atulhada de trabalho até o pescoço e sem absolutamente nenhuma vontade
de comemorar. O que eu realmente queria fazer amanhã? Me teletransportar
para um lugar bem longe, onde as pessoas saem na rua usando chapéu. Sem
ser o México, tá? Eu ficaria ridícula de sombrero. Ou qualquer lugar
sob o domínio do Taliban. Eles não têm muito senso estético para o
design de chapéus. Vamos nos restringir aos países da Europa. A parte
cinematográfica e chique da Europa.
Eu iria a Paris agora, não fosse
pelo pequeno inconveniente de ter cinco projetos em andamento. Eu tenho
cinco malditos projetos em andamento e nenhum convite para sair no fim
de semana. Cinco raios de projetos em andamento e nenhum homem na minha
cama.
Não me levem a mal, eu sei que minha cama é super frequentável.
Eu sou super frequentável. O problema é esse resquício de crença que eu
tenho nessa porcaria de - eu não acredito que vou dizer isso - amor. É
um saco ter que admitir, mas eu espero encontrar
alguém.
E quem é
alguém? Alguém é uma entidade mitológica, que costuma aparecer algumas - poucas - vezes na vida de cada ser humano.
Alguém
pode estar em qualquer lugar, onde você menos imagina, inclusive aí do
seu lado. Mas não adianta procurar muito, porque reza a lenda que
alguém só aparece quando você menos espera. As histórias são muitas. Ouvi dizer que se você gritar
"alguém" três vezes na frente do espelho, ele aparece e se casa com a sua melhor amiga.
Mas
mesmo sabendo que essa pessoa mitológica não existe, eu me recuso a
desapegar do conceito. Porque, apesar daquilo que eu finjo ser na maior
parte do tempo, apesar do discurso cínico que eu costumo dar sobre a
impossibilidade dos relacionamentos, eu continuo com os dedos cruzados,
torcendo pelo dia em que
alguém vai aparecer e me provar que eu estava errada.
Amanhã
eu faço vinte e sete anos e tenho cinco projetos em andamento. São bons
números, eu deveria querer comemorar. Mas a vida é uma cadela. E eu não
estou feliz. Porque quando eu fecho os olhos e imagino o futuro, eu
vejo a França, vejo chapéus, vejo projetos em andamento e quem sabe
algumas horas felizes. Mas também vejo um número solitário que irá me
acompanhar ao longo dos fins de semana, da mesa do restaurante até a
minha cama.
Paciência. Talvez
alguém seja ocupado demais para aparecer na vida de todos.