sábado, 28 de janeiro de 2012

Botão de emergência

Acordou desnorteada, não sabia muito bem para onde sua vida estava seguindo. Esfregou os olhos, tentando entender tanto a noite mal-dormida quanto as novidades que não paravam de surgir. Foi à cozinha e preparou um café: amargo, mas com um gosto diferente do habitual, meio de surpresa, meio de medo do novo.

Pensar em tudo o que estava dando certo era estranho. Lembrou-se de C.L.: a felicidade tornara-se clandestina para si nos últimos tempos. Ser aprovada em duas universidades públicas era o sonho de qualquer mortal, mas Marie, no entanto, ainda estava apegada àquele desejo sem nexo. Estranho saber que havia sido aprovada para duas das áreas que mais gostava e, mesmo assim, não estivera feliz.

A vista do apartamento era promissora, o café ainda estava um pouco amargo. Procurou algumas torradas com presunto - melhorou um pouco. De pantufas, com aquela velha roupa de dormir, ainda despenteada,  começou a divagar sobre a situação:

Ora, eu passei! Eu passei! Vou cursar em uma área que amo, qual o porquê de não estar feliz?

Ela sabia, porém, o motivo: as pessoas - Ah! Aquelas sem um pingo de discernimento! - e, bem no fundo sabia, que havia entrado naquele barco do senso-comum, naquela corja que não admite a felicidade alheia, que julga sem questionar, que não entende que pode-se e deve-se ser feliz e bem sucedido fazendo o que gosta.
Então imaginou, bem abaixo do seu nariz, aquele botão vermelho piscando. Piscando não, pulsando para falar a verdade.

Por que não?

Pressionando-o como alguém que foge de uma prisão metafórica, ela sentiu que algo rompia dentro de si. Como aquele armário lotado de tralhas que são guardadas sem motivo aparente e, depois de muito tempo sem abri-lo, elas desabam porta abaixo e você percebe que não há mais espaço, que é perda de tempo e que é hora de fazer a limpeza.

Dane-se o que os outros pensam! Eles são apenas os outros. O que eu devo a eles afinal?

Nada, absolutamente nada. Isso Marie também já sabia, mas estivera vendada por todo aquele tempo. Cega pelas cobranças de uma sociedade sem sentido, sem autoridade suficiente para tal, sem o menor direito de impor o que se deve ou não fazer! De que adiantava afinal toda aquela idolatria por um profissional de "renome"? Renomado, mas frustrado eternamente por não amar o que faz.

Sabia também que não era apenas isso. A pressão dos exames transformou-se em baixa auto-estima, dando-lhe a certeza de que não conseguiria, tão enraizada que já não sabia mais sorrir. Outra epifania chegou:

Certo, os ignorantes ajudaram muito para isso, mas não posso negar minha parcela de culpa. Eu permiti que isso acontecesse.

O café e as torradas ganhavam um sabor diferente, mais encorpado. Aquele armário começava a ser organizado. Não podia mais ficar assim, retirou todas as tralhas inúteis e deixou apenas o que importava:


Viver a minha vida para mim e com quem é essencial: a família e os amigos verdadeiros. Correr atrás do que desejo, sem pensar no que os medíocres falarão. Eles não importam mais e nunca deveriam ter importado! Tanto tempo perdido olhando para as pessoas erradas ao invés de simplesmente pressionar aquele botão desde o início. Mas agora chega, o circo acabou.


O botão parou de piscar. O armário estava simples e leve. A última gota do café passou por sua boca, as torradas também. Marie estava satisfeita. 


Consigo mesma.


Nathaly M.

"Geralmente os espíritos medíocres condenam tudo o que está para além do seu alcance."
(François La Rochefoucauld)

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