domingo, 6 de abril de 2014

Dom Casmurro

"...Saí, supondo deixar a ideia em casa; ela veio comigo. Cá fora tinha a mesma cor escura, as mesmas asas trépidas, e posto avoasse com elas, era como se fosse fixa; eu a levava na rotina, não que me cobrisse as coisas externas, mas via-as através dela, com a cor mais pálida que de costume, e sem se demorarem nada". (M. de Assis)

   Este pequeno trecho do meu livro favorito de literatura brasileira resume bem a questão central da história: como uma mente obsessiva e pertinente pode enevoar a visão de alguém, levando esta ideia fixa a destruir toda a construção de uma vida que poderia ter sido imensamente feliz.

   Dom Casmurro é um romance do Realismo, do ano de 1900. Nele temos como personagens centrais Bento Santiago (Bentinho) e Capitolina (Capitu) que vivem um romance cheio de altos e baixos, caminhando com um amor avassalador desde a infância até a vida adulta. Como muitas pessoas sabem, houve uma minissérie da Rede Globo baseada na obra chamada: Capitu. Fez muito sucesso e,embora tenha gostado, considero ter ficado muito caricata, diminuindo-se características de personagens "importantíssimos", como diria José Dias, agregado na casa de Bento e grande cúmplice do amor do casal.

     Bentinho desde pequeno é loucamente apaixonado por aquela pequena de olhos grandes, verdes e curiosos que se chama Capitu. Ele é filho de D. Glória uma mulher de grandes virtudes e muito amorosa, o pai do menino já falecera quando sua aventura amorosa começou. Capitu é uma menina à frente do seu tempo, curiosa, inquisitiva, sempre espevitada; quer sempre estar atenta a tudo o que se passa à sua volta. É determinada, assim como foi seu amor por Bento. Ela sabia, em sua essência, que seria dele e de mais ninguém. Os dois vivem grudados por todos os lados, a fazer travessuras, a simular missas (explico essa parte mais à frente) ou simplesmente a encarar um ao outro naquela longa e silenciosa dialética das pessoas que se amam.

    Bentinho não era, na infância, um garoto bobo que se deixava levar por todas as vontades de Capitu como ficou explícito no programa. Ele tinha muitas ideias próprias e não hesitava em colocá-las em prática; como quando decidia colocar Capitu à prova com pequenos comentários para ver se esta sentiria sua falta ou se iria reclamar de alguma falta de carinho que ele dissimulava vez ou outra. Por outro lado, Capitu também não era tão manipuladora como foi colocado na minissérie. Como toda personagem feminina, ela é sedutora e sabe conseguir o que quer sendo persuasiva, mas também é insegura e amorosa com seu amado. Não hesita em lhe pedir desculpas quando está errada e em enchê-lo de beijos mesmo sem motivo aparente.

     Os obstáculos entre os dois são muitos. O primeiro (que é a explicação para a simulação das missas) é a decisão de D. Glória de colocar o menino no seminário, pois fez uma promessa de que, se o filho vivesse, ele seria dedicado à vida santa, junto aos padres e à igreja. Bento não quer de maneira alguma sair do lado de Capitu e estar condenado a ser comprometido somente com o clero. Os dois começam, então, a procurar todos os modos possíveis de se livrar da promessa feita pela mãe; desde pedir ajuda ao agregado da casa - que tem a palavra muito valorizada na família - até conseguir um substituto para o futuro padre.

     Bentinho chega a ir ao seminário, onde conhece Escobar, o motivo de seu ciúme doentio, mas a estadia na igreja não dura muito. O rapaz volta para casa e entra no estudo das leis. Finalmente, já homem feito, pode casar-se com Capitu que, a esta altura, já virou uma mulher; "uma mocetona" como diz o livro, curvas feitas e não perdeu no olhar a intensidade da ressaca; continuando a arrastar o coração de seu amado, tragando-o para dentro dela.

     A amizade de Bento com Escobar ao longo da trama é crescente, eles se tornam irmãos de alma. Tanto é que Escobar casa-se com a melhora amiga de Capitu e a vida dos quatro gira em torno do desenvolvimento nas reminiscências da vida conjugal. Desde a compra da primeira casa, passando pelas saídas a quatro, até o nascimento dos filhos. Bento e Capitu têm Ezequiel e Escobar e Sancha tem uma menina, cujo nome foi Capitu em homenagem à amiga.

      Mas, como eu disse antes, os obstáculos entre os dois são muitos; porém, o maior deles é o ciúme de Bento. Nada escapava a sua doença, tinha inveja até mesmo (sim, é exatamente o que está escrito) do mar; que ela, por vezes, ficara contemplando infinitamente. Seus ciúmes e a dúvida que o corroía eram tantos que, depois de muitos acontecimentos e de estar a enlouquecer sozinho ele chega a tentar suicídio: "Tirei o veneno do bolso, fiquei em mangas de camisa, e escrevi ainda uma carta, a última, dirigida  a Capitu. Nenhuma das outras era para ela; senti a necessidade de lhe dizer uma palavra em que lhe ficasse o remorso da minha morte".

      Este é um dos pontos em que se pode perceber como este homem ficou cego com aquela ideia de asas negras e obscuras, que teimava em voar em frente de seus olhos e a arranhar-lhe o coração com suas garras fétidas e necróticas. O livro e todo seu enredo nos deixa claro que o caminho mais curto para a infelicidade de uma vida miserável acaba por ser traçado pela própria pessoa que se deixa arrastar para dentro de suas cismas. Acabando por tornar Bentinho em Dom Casmurro, fechado em sua raiva, solitário.

      Deixo aqui a citação referente ao capítulo em que Bento já havia decidido se suicidar e vai assistir a uma peça de teatro muito famosa chamada Otelo:

"Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço - um simples lenço! -, e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há e valem só as camisas".

Nathaly M.

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